
Iolanda, Simone, Marcelle e Tamires. Logo nos primeiros dias do ano de 2019, o Rio de Janeiro registrou quatro casos de feminicídio, agravante de homicídio oficialmente incluído no Código Penal em março de 2015, a partir da aprovação da lei 13.104/15. De acordo com a norma, o assassinato passa a ser classificado como qualificado quando a mulher é morta por questões de gênero. Com o agravante aplicado, a pena mínima passa de 6 para 12 anos de prisão e a máxima, de 20 para 30 anos.
Para Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio e Procuradora Regional da República, a lei do feminicídio é importante sob dois aspectos. “O primeiro tem a ver com o apuro estatístico que a tipificação do feminicídio traz. Trata-se, afinal de um homicídio, conduta criminalizada desde sempre. Mas o destaque dado à morte ligada à questão do gênero põe mais luz sobre o fenômeno, permite uma avaliação quantitativa do crime, sua distribuição geográfica, dentre outros fatores e estes dados são relevantes para a formulação de políticas preventivas”, explica.
“O segundo aspecto tem a ver com a transformação da sociedade e com os avanços na área de direitos fundamentais. Matar uma pessoa será quase sempre uma conduta censurável. Mas a ênfase na morte advinda das relações abusivas de poder sobre as mulheres sinaliza de forma mais forte a rejeição social à conduta e comunica isso melhor à sociedade. Além disso, o apuro na individualização do bem jurídico protegido diminui a discricionariedade dos juízes criminais, já que estabelece de antemão a reprovabilidade legal necessária”, completa.
Estudo do Ministério da Saúde recentemente divulgado na imprensa aponta que 3 em cada 10 mulheres mortas por violência já haviam sido anteriormente agredidas. André Mendes, professor de Direito Penal da Escola, considera que isso ocorre por ser o feminicídio a última instância de agressões prévias cometidas em contexto de violência doméstica. “É a expressão extrema do controle, abuso e violência contra a mulher. Isso também significa que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas, se as mulheres tivessem opções reais e rede de apoio para romper esse ciclo abusivo e violento”, avalia.
Estatísticas do Observatório Judicial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro mostram que, de janeiro a novembro de 2018, foram deferidas 21.759 medidas protetivas de urgência, maior volume na série histórica iniciada em 2011. Para André, a medida protetiva é um instrumento importante para evitar a escalada de agressões que podem resultar na violência fatal, mas não é o bastante.
“É preciso também dar visibilidade à responsabilização da violência contra a mulher, evitando a impunidade, e promover a conscientização das pessoas sobre a inadequação dos discursos que culpabilizam a mulher pela própria violência sofrida. Essa compreensão é importante, pois a rede de apoio capaz de retirar a mulher de ciclos de violência não se limita ao poder público, deve estender-se à comunidade, às pessoas próximas, para que não haja tolerância, aceitação e reprodução dessa particular forma de violência”, analisa.
Recentemente, foi divulgado levantamento que revela o aumento de 25,3% nas notificações recebidas pela central de atendimento 180, do atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Apesar disso, Silvana Batini acredita que ainda existe um grande obstáculo para conscientização das vítimas sobre a importância de denunciar seus agressores.
“Penso que o maior desafio é inspirar nas mulheres a confiança nas instituições. Mulheres que são vítimas de abuso precisam adquirir confiança na institucionalidade: na polícia, no ministério público, no judiciário, no sistema de saúde. Expor-se e eventualmente expor sua família é um sacrifício grande e tem que, digamos assim, valer a pena. A resposta institucional tem que ser rápida e precisa. Isto encorajará mais mulheres a denunciar”, pondera. Para ela, os caminhos para combater tal desafio passam por campanhas de conscientização e pelo apoio à sociedade civil organizada que pode ajudar a encaminhar estas questões, além de exigir do sistema de justiça o rigor e a seriedade no trato com o problema.