
Em Brasília realizou-se este mês a posse dos candidatos eleitos nas eleições legislativas de 2018. O pleito foi marcado, dentre outras questões, pelo crescimento da participação feminina no Congresso Nacional. Ao todo, foram eleitas 77 deputadas federais e 7 senadoras, o que representa cerca de 15% do total de legisladores - 5% a mais do que nas eleições de 2014. Esse aumento foi causado pela eleição de 51% a mais de mulheres para a Câmara dos Deputados, já que no Senado o percentual de participação feminino se manteve o mesmo.
Para Lígia Fabris, professora da FGV Direito Rio e coordenadora do Programa Diversidade da Escola, o aumento da participação feminina no poder legislativo é importante, principalmente, por duas razões. “A primeira é de natureza simbólica. É relevante que mulheres ocupando espaços de poder e o ambiente político é um desses locais. Ter mais mulheres em um espaço de poder, portanto, envia uma mensagem para as outras mulheres de que aquele ambiente pode e deve ser ocupado por elas”, pontua.
Em segundo lugar, há um aspecto material. “A política é um espaço de discussão e determinação das leis que irão subordinar aquela sociedade. Poder fazer parte desse espaço, além de ser um requisito da democracia, confere a esse grupo social a possibilidade de influenciar e determinar quais serão as regras do jogo. Embora não haja correspondência necessária entre pertencimento a grupos sociais e defesa dos seus interesses, de forma geral, quanto mais grupos sociais diversos, mais possibilidade de que suas visões de mundo e pautas que lhes são relevantes sejam contempladas das leis. É a possibilidade de fazer valer seus interesses”, completa.
Para Leandro Molhano, também professor da FGV Direito Rio, o aumento de mulheres na política não significa necessariamente maior debate de pautas relacionadas à mulher. “Há fatores que podem dificultar os debates e implementação dessas pautas. A agenda se choca com outras duas agendas que podem inibi-la: uma é econômica e parece ter prioridade em relação à pauta de costumes, no momento. A outra é justamente uma pauta de costumes conservadora que ganhou peso nas eleições e que em grande medida se opõe às questões abordadas pela agenda de gênero. Ainda é cedo para saber em que medida essas diferentes pautas de costumes irão se contrapor”, explica.
Recursos
No início de 2018, Lígia Fabris elaborou, com alunas e alunos da FGV Direito Rio, Amicus Curiae da ONG CEPIA no Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade art. 9º da Lei 13.165/2015, que regulava a destinação de recursos do Fundo Partidário para a campanha de candidatas e estabelecia limites para o financiamento de campanhas de mulheres, sendo um mínimo (5%) e um máximo (15%). Como resultado desse julgamento, as mulheres conseguiram financiamento proporcional ao número de candidaturas. “Se esse foi um dos fatores fundamentais para o aumento de mulheres no Congresso, ainda não podemos afirmar com certeza, pois ainda estamos investigando. Mas eu poderia dizer que essa é uma hipótese plausível. A literatura de Ciência Política já demonstrouempiricamente que o acesso a recursos é fator crucial para o sucessoespecialmente da candidatura de mulheres”, explica a professora.
Uma análise das eleições de 2018 realizada pelos professores confirma os diagnósticos de que (1) controlando diversos fatores (como escolaridade, estado da eleição etc), as mulheres em média recebem menos votos do que os homens; e (2) que as mulheres que conseguiram se eleger tiveram que gastar, em média, mais recursos financeiros do que os homens. Para a pesquisa, os docentes dividiram todos os candidatos em quatro categorias: 1) candidaturas sem votos, ou seja, candidatas(os) que não receberam nenhum voto; 2) candidaturas não competitivas, que são as candidaturas que não atingiram os 10% do quociente eleitoral; 3)candidaturas competitivas, que correspondem a 10% a 99,9% do quociente eleitoral; 4) puxadoras(es), que são as candidatas e candidatos que receberam votos acima do quociente eleitoral.
“Nas eleições para os legislativos estaduais, apenas 6,5% das mulheres que se candidataram foram competitivas. Entre os homens o percentual foi de aproximadamente 16,5%. Nas eleições para a câmara dos deputados 5,5% das candidatas foram competitivas, enquanto um pouco mais de 14,5% dos homens o foram”, revela Leandro Molhano.
Para Lígia, ainda há desafios a serem superados, como as candidaturas-laranja, ou seja, candidatos, geralmente mulheres, que recebem os recursos para suas campanhas, mas repassam a verba para candidatos homens de seus partidos oumulheres que figuram como candidatas formalmente, apenas para cumprir a cota. Além disso, a professora lembra que candidatas relataram que seus partidos concentraram a distribuição dos 30% em poucas candidatas consideradas viáveis. "Isso também representa um obstáculo, pois assim não se amplia necessariamente o número de mulheres na política. É preciso ressaltar que a distribuição desigual de recursos entre candidatos é um processo relativamente normal em qualquerpartido, mas há uma hipótese a ser confirmada de que essa distribuição foi especialmente desigual entre as mulheres”, esclarece.
Mulheres na Política
Para além dos desafios de recrutamento e formação política de mulheres e de acesso aos recursos, há também um grande obstáculo que atinge àquelas que conseguiram se eleger e ocupar cadeiras nesse espaço de poder: a violência política de gênero. É sobre isso que irá versar a disciplina “Mulheres na Política”, que será ministrada pela professora Lígia neste semestre. O curso foi pensado em parceria com a professora Flávia Biroli, da Universidade de Brasília e em diálogo com a ONU Mulheres. O objetivo final é construir uma proposta de Projeto de Lei que possa ser enviado ao Congresso.
“Vamos ler textos e artigos de referência sobre o tema, além de entender o que é violência política, como caracterizá-la e como ela se manifesta. Vamos olhar as experiências no restante do mundo e avaliar como os países que se ocuparam em se debruçar essa violência combatem a questão do ponto de vista legislativo.Com isso, pensaremos em uma abordagem para enfrentar a questão no Brasil”, explica.