
No último dia 26 de janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou acordo que pôs fim à paralisação parcial do governo que durou 35 dias. Ao todo, cerca de 800 mil funcionários ficaram sem receber seus salários durante o período. “Além dos 11 bilhões de dólares que a paralisação parece ter custado à economia norte-americana, deixou também a nítida impressão que os últimos dois anos do governo Trump serão radicalmente diferentes dos dois primeiros”, avalia Guilherme France, pesquisador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio, que faz uma análise do atual cenário político norte-americano a partir da maior paralisação da história norte-americana.
O Congresso
O primeiro ponto a ser levado em consideração para entender o atual momento político norte-americano é a configuração do Congresso vigente. “As eleições de 2018 entregaram o controle da Câmara dos Deputados ao Partido Democrata, que elegeu Nancy Pelosi como a Presidente da Câmara, ou Speaker. A partir deste momento, Trump (republicano) passou a depender dos democratas para aprovar qualquer legislação no Congresso, inclusive leis orçamentárias”, aponta.
A estrutura de governo
O segundo é a estrutura de governo. “Em função da maneira como o governo norte-americano está estruturado, leis periódicas precisam ser aprovadas para garantir que os órgãos federais tenham recursos para continuar funcionando. Quando se encerra a validade de uma lei sem que a seguinte tenha sido aprovada, os órgãos deixam de funcionar, com exceção das funções básicas e essenciais à segurança nacional”, explica.
Toda lei orçamentária possui prioridades políticas e a prioridade de Donald Trump é a polêmica construção de um muro na fronteira com o México. “Esta havia sido uma das suas primeiras promessas de campanha. Na realidade, sua promessa era de que o governo mexicano pagaria pela construção do muro. Frente à inviabilidade desta pretensão, Trump agiu para que fossem incluídos no orçamento recursos – em torno de 5 bilhões de dólares – destinados à construção de uma seção daquele muro”, relembra.
A crise imigratória nos EUA
Já o terceiro é a crise imigratória no país. “A crise de imigração nos Estados Unidos não teve origem no governo Trump, embora tenha certamente se agravado nos últimos dois anos. A revogação de políticas benéficas a imigrantes resultou numa crise humanitária de repercussão global: centenas de crianças foram separadas de seus pais em instalações governamentais destinadas a imigrantes ditos ilegais. A defesa de políticas xenófobas e discriminatórias separou Trump de membros do próprio Partido Republicano e gerou ampla revolta no eleitorado, o que contribuiu para a vitória dos democratas (na Câmara dos Deputados).
Frente a este cenário, eram pequenas as chances de que democratas apoiassem qualquer legislação que incluísse financiamento para um muro. Sob a liderança de Nancy Pelosi, se mantiveram unidos na oposição, usando esse tema para alavancar ainda mais apoio entre o crescente eleitorado latino, que já apoia majoritariamente o Partido Democrata”, explica.
Foi neste contexto que surgiu o impasse entre Presidente e os líderes democratas do Congresso sobre o orçamento federal, gerando a maior paralisação da história norte-americana.
A imagem do Presidente, o acordo e o que virá a seguir
“Os impactos da paralisação logo geraram uma crise que passou, pouco-a-pouco, a prejudicar a popularidade do Presidente. Eleitores passaram a ver, pesquisas mostraram, Trump como o principal responsável por milhares de funcionários públicos sem receber salários, serviços básicos paralisados e graves impactos econômicos. A aposta de que democratas cederiam frente à pressão popular de encerrar a paralisação mostrou-se, assim, fracassada”, analisa.
Após ameaçar diversas vezes declarar emergência nacional para passar por cima do Congresso e aprovar a lei orçamentária com a construção do muro, Donald Trump assinou acordo provisório que deixa essa questão de fora. “O encerramento da paralisação veio com uma aceitação da derrota para Trump. Assinou uma lei que prorrogou o financiamento das agências afetadas até 15 de fevereiro, mesmo sem verbas para o muro. Recuou diante da promessa de manter a paralisação até quando fosse necessário para conseguir aqueles recursos”, observa.
Sobre o acordo, o pesquisador acredita que, ainda que temporário, o mesmo traz importantes sinais para os próximos dois anos. “Trump terá que lidar com uma Câmara dos Deputados controlada pelos democratas e comandada por uma hábil oponente. Em breve terá que decidir se coloca em risco o que restou de seu capital político para aprovar propostas polêmicas, como o muro. Decisão mais difícil ainda fica para o restante do Partido Republicano: recém derrotados nas eleições legislativas, seguirá apostando todas suas fichas em Donald Trump?”, pondera.